No mundo da medicina, emergências inusitadas podem surgir a qualquer momento, até mesmo em pleno voo. A equipe de bordo e outros passageiros desempenham um papel crucial nessas situações, oferecendo assistência aos necessitados.
História de um Parto em Pleno Voo
Para o Dr. Sij Hemal, um voo em dezembro de 2017 se tornou uma experiência inesquecível em sua carreira.
Na época, Hemal, um residente médico de 27 anos, estava retornando para os Estados Unidos após participar do casamento de seu melhor amigo na Índia.
A viagem de volta envolveu escalas em Nova Delhi, Paris e, finalmente, Nova York, onde Hemal pegaria um voo para Cleveland.
A primeira etapa do voo foi tranquila. No Aeroporto Charles de Gaulle, Hemal se acomodou em seu assento a bordo de um voo da Air France, explorando as opções de entretenimento disponíveis.
Assim que a aeronave decolou, Hemal conectou seus fones de ouvido e começou a ponderar se deveria pedir uma taça de champanhe quando uma voz ecoou pelo sistema de alto-falantes:
“Há um médico a bordo?”
Hemal removeu os fones de ouvido e olhou ao redor. Um murmúrio tomou conta da cabine. Para sua surpresa, ele descobriu que esse era o segundo anúncio feito, sendo o primeiro em francês, que ele não havia compreendido.
Por coincidência, Hemal estava sentado ao lado da Dra. Susan Shepherd, uma pediatra que retornava de uma missão com o grupo humanitário Médicos Sem Fronteiras.
Embora nunca tivessem se encontrado antes, os dois médicos concordaram que Hemal investigaria a situação enquanto Shepherd ofereceria assistência, se necessário.
Hemal se identificou à tripulação e foi conduzido pela cabine por um comissário de bordo até a passageira em perigo.
A mulher, com cerca de 40 anos, queixava-se de dores nas costas e no abdômen. Inicialmente, não estava claro qual era o problema.
O primeiro pensamento de Hemal foi que poderiam ser pedras nos rins ou apendicite. Ele decidiu solicitar a opinião de Shepherd, sua colega de assento.
Foi então que a passageira pronunciou duas palavras que mudaram tudo:
“Estou grávida.”
Nesse momento, Hemal percebeu que a passageira poderia entrar em trabalho de parto… Em um avião… Em pleno Oceano Atlântico, sem a visão de nenhum aeroporto nas proximidades.
“Você pode imaginar que não há nenhum lugar ao redor para pousar este avião”, explicou Hemal à CNN. “Você está a 35.000 pés de altitude, cercado apenas pelo azul do céu.”
Nas próximas horas, Hemal e Shepherd cuidaram da passageira, mantendo-a estável. De repente, as contrações começaram e a bolsa se rompeu.
A passageira estava prestes a dar à luz no avião. Hemal, um residente em urologia que não realizava partos desde a faculdade de medicina, precisou liderar os esforços.
“Nesse momento, você precisa se recompor”, lembrou Hemal. “Porque, se não fizer isso, algo pode acontecer com o paciente. É necessário dar o seu melhor.”
Algumas horas depois, com a ajuda da equipe de cabine da Air France, o bebê nasceu com saúde assim que o avião pousou em Nova York. A mãe e a criança foram transferidas para o Jamaica Hospital Medical Center.
Hemal mal teve tempo para refletir sobre o ocorrido, pois precisava correr para sua conexão em Cleveland.
Ao embarcar no voo final, Hemal percebeu que ainda estava em estado de choque, mas, ao mesmo tempo, extremamente grato.
Tudo ocorreu bem. Essa experiência serviu para reafirmar seu compromisso com a profissão médica.
“Quando você se encontra nesse tipo de situação, sua consciência sempre diz para ajudar a pessoa”, afirmou Hemal. “É por isso que eu queria ser médico em primeiro lugar.”
Médicos a Bordo: Uma Situação Comum
No cinema e na televisão, o anúncio “existe um médico a bordo” pode parecer um clichê. Porém, na realidade, isso realmente acontece. Para os profissionais médicos, ou qualquer pessoa com o título de “Dr.” em seu cartão de embarque, isso é algo muito familiar.
Se você possui um doutorado, mas não tem qualificações médicas, é perfeitamente aceitável educadamente recusar um pedido de ajuda.
É verdade que os comissários de bordo são treinados em primeiros socorros e capazes de lidar com várias emergências médicas. Alguns preferem não pedir ajuda aos passageiros.
No entanto, em certas situações, é necessário obter assistência especializada.
Para os médicos, como é ouvir esse anúncio e, de repente, deixar de lado refeições, sono, bebidas ou filmes para ajudar um passageiro em perigo?
De acordo com Hemal, essa mudança de mentalidade não é tão difícil, pois é algo que eles costumam fazer. Como médico, as pessoas sempre pedem conselhos, mesmo quando ele está fora do trabalho.
“Mesmo em festas, encontros com amigos ou até mesmo em um Uber, às vezes o motorista me pergunta: ‘Eu tenho essa condição, o que você acha?'”
No entanto, Hemal reconhece que nem todos os profissionais médicos compartilham desse desejo de ajudar, especialmente quando se trata de atender a bordo de um avião.
“Francamente, muitas pessoas não querem fazer isso, porque têm medo, estão nervosas”, disse ele.
Um avião é um ambiente restrito e limitado. A medicina, por sua vez, é ampla e complexa. Existe a possibilidade de você precisar ajudar em uma situação em que não possui experiência específica.
Hemal, que ajudou em situações médicas a bordo várias vezes desde o ocorrido do parto, sempre assina o “acordo do Bom Samaritano”.
Esse documento essencialmente protege o médico de processos judiciais e deixa claro que não há necessidade de compensação financeira.
Além disso, nos Estados Unidos, o Aviation Medical Assistance Act protege os indivíduos de responsabilidades legais ao prestar assistência médica de emergência a bordo.
Embora Hemal esteja ciente de que nem sempre a situação tem o desfecho esperado, ele sempre tentará ajudar quando possível.
A Dra. Lauren Feld, uma gastroenterologista residente nos Estados Unidos especializada em doenças hepáticas, compartilha do mesmo pensamento.
Feld ajudou em várias emergências médicas a bordo. Embora nunca tenha realizado um parto em um avião, já ordenou um pouso de emergência. Segundo ela, isso pode não a tornar popular com os outros passageiros, pois causa grandes atrasos, mas a ação é tomada em prol do bem-estar da pessoa em perigo.
“Acho que ter treinamento médico e a capacidade de ajudar as pessoas – um conjunto de habilidades que pode ser útil – é um privilégio”, disse Feld à CNN.
“Portanto, sempre que tenho a oportunidade de ajudar, acredito que é algo importante a se fazer.”
Assim como Hemal, Feld afirma que a transição de um passageiro anônimo comum para um médico a bordo não é tão difícil. Ela até acordou com um anúncio solicitando assistência médica e imediatamente entrou em modo de trabalho.
“Sinto-me à vontade em ajudar, mesmo quando estou cansada”, disse ela. “Nós – eu diria, infelizmente – estamos acostumados a trabalhar cansados.”
Feld não costuma beber em aviões, pois geralmente está ocupada cuidando de seus filhos pequenos ou tentando dormir. No entanto, ela sugere que, caso um profissional médico seja chamado para ajudar após tomar algumas taças de vinho ou se sentir despreparado de alguma forma, o mais importante é reconhecer as próprias limitações e tomar decisões de acordo.